segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Um prado florido!


Este é possivelmente um dos posts que mais satisfação nos dá poder partilhar por estes dias. Desde o início do projecto que temos procurado difundir e divulgar o potencial ornamental e paisagístico da nossa flora autóctone, mas focando-nos sobretudo nas espécies arbustivas e evidenciando-as isoladamente. 

Porém, a ideia de um dia podermos disponibilizar  outras soluções, à semelhança do que acontece noutros países europeus com França e Inglaterra, propondo misturas de sementes capazes de responder a necessidades e objectivos mais exigentes, esteve sempre entre os nossos objectivos.

É um facto que no nosso país a procura de prados floridos ainda é relativamente diminuta. Todavia, quem pretende ter uma solução diferente de um relvado verde monótono e aparado, sempre exigente em regas e em manutenção, dificilmente encontrará uma alternativa. E quando encontra, o mais provável é encontrar misturas de espécies cuja grande maioria nem ocorre no nosso país. Curiosamente e a título de exemplo é hoje mais fácil encontrar misturas contendo papoilas-da-califórnia (Eschscholzia californica) do que as simples papoilas que povoam as nossas searas.

Claro que prados há muitos e para todos os gostos. Daí que a nossa proposta  seja antes a de de dar a possibilidade de escolha. Desde um relvado mais simples e baixo coberto de margaridas e dentes-de- leão, até  um prado mais alto em que pontuam espécies como o pampilho ou a Anchuza azurea.

Pelo meio,  a nossa proposta preferida é uma mistura de sementes standard para uma área de 20 m2 e que, além de 4 gramineas base, conterá uma mistura com cerca de 20 espécies autóctones portuguesas. Um prado que além de não exigir manutenção, proporcionará florações alargadas entre o fim do Inverno e o início do Verão! E este é um aspecto particularmente importante para nós. Não só pelas mais do que legitimas necessidades estéticas que qualquer um de nós tem, mas principalmente pelo óbvio enriquecimento que proporcionam a qualquer jardim ao fornecerem alimento a um sem número de insectos polinizadores.


terça-feira, 3 de novembro de 2015

As incríveis viagens de Hoffmansegg e Link em Portugal



Se quem nos segue for tão leigo nas matérias da botânica e da história das ciências naturais como nós, este é sem dúvida um tema que possui todos os ingredientes necessários para prender a sua atenção. Se no final tivermos despertado em alguns a mesma curiosidade deslumbrada que nós experimentámos quando ouvimos pela pela primeira vez a sua apresentação, então já terá valido a pena a ousadia de abordarmos em tão pouca linhas o extenso trabalho de investigação exposto no livro do Prof. Nuno Gomes Oliveira "A Flore Portugaise e as viagens em Portugal de Hoffmansegg e Link (1795 a 1801), editado pela Chiado Editora na primavera passada.

O livro, que resulta do trabalho de investigação realizado pelo Prof. Nuno Gomes Oliveira  para a sua tese de doutoramento na Universidade de Coimbra, aprofunda um dos capítulos pouco conhecidos da história da nossa botânica e que foi empreendido há cerca de 215 anos pelo conde de Hoffmansegg, um rico nobre prussiano,  e pelo professor universitário J. Link, com o propósito de efectuarem o levantamento da flora que ocorria espontaneamente no no nosso território. As viagens que concretizaram no nosso país,sobretudo entre Fevereiro de 1798 e Agosto de 1801, culminaram na edição de uma monumental "Flore Portugaise" impressa em Berlim a partir de 1809 e que continha 114 gravuras impressas e coloridas manualmente de outras tantas espécies da flora portuguesa, entre as 659 descritas.

Essa "Flore Portugaise", teve muito poucos exemplares (sendo que um, graças a um investimento recente da C.M. de Vila Nova de Gaia, se encontra entre nós, na biblioteca do Parque Biológico de Gaia), e foi à época e a todos os níveis uma obra notável, seja pela dimensão/qualidade das gravuras, seja pelo rigor cientifico com que pretendeu ser feita, culminando o que provavelmente foi a "empresa de uma vida" na qual o conde de Hoffmansegg investiu, aos 30 e poucos anos, largas somas da sua fortuna pessoal.

Como somos manifestamente incompetentes para entrar em detalhes, seja sobre a "Flore Portugaise" seja sobre o livro recentemente editado, é nessas duas pessoas e nas viagens que por cá realizaram que gostaríamos de centrar a nossa atenção.

Habituados que estamos pela "historiografia oficial" a pensar que Portugal e os Portugueses só descobriram, séculos a fio e sem descanso, esquecemos-nos facilmente que também nós fomos observados e "descobertos". Esta perspectiva, que de resto não tem aqui os únicos exemplos ( são também conhecidos os relatos de outros viajantes famosos que por aqui passaram, sobretudo no século XIX), é todavia de conhecimento muito restrito para a maioria de nós. Ainda hoje, certamente pela endémica baixa auto-estima, consideramos pouco verosímil que algo entre nós possa ter sido objecto de observação. Quanto mais as nossas ervas bravas. Se hoje pouco interesse têm, como é que há 200 anos motivaram uma estadia tão prolongada -quase 3 anos e meio,  de dois homens de ciência vindos de tão longe!?!?

Ora essa é talvez a parte mais cativante desta história. Como terão oportunidade de constatar na leitura do livro, a vinda do conde de Hoffmensegg, um jovem erudito que queria acrescentar algo ao efervescente e já competitivo meio científico que prosperava em toda a Europa, decorre de Portugal ser, nessa altura,  visto lá fora como a última fronteira desconhecida onde quase tudo estava por fazer em matéria de ciência. Um país ainda entregue à ignorância de uma das mais empedernidas monarquias absolutistas e que, apesar dos esforços de modernização do Marquês de Pombal, persistia  arredado dos novos ventos de progresso.

O relato das viagens realizadas, editado separadamente por Link em 1803 na Alemanha no livro "Voyage en Portugal" (abordado também neste trabalho do Professor Nuno Gomes da Silva e que já em 2005 tinha sido alvo de tradução pelo Prof. Fernando Clara da faculdade de ciências da Universidade  Nova de Lisboa) merecem por si só a leitura atenta.

Na pratica Portugal inteiro foi visitado. De Lisboa ao Porto, Minho o Gerês e o Marão. O Algarve todo, o Nordeste transmontano e grande parte do Alentejo. Alguns trajectos foram feitos duas vezes. Tudo isto numa altura em que circular no nosso território além de extremamente difícil, dada a pobre rede viária, só se fazia com um salvo-conduto  e correndo riscos de segurança. Mas  Link não se limita a descrever a flora encontrada. Pelo contrario, tudo lhes interessava e além descrições sumárias das terras e cidades visitadas, avaliavam também o estado geral de desenvolvimento da nossa agricultura, mineralogia e florestas (temas da maior importância numa Europa que se preparava para a passos largos para a industrialização).

São também diversas as vezes em que não perde a oportunidade de aplicar o seu olhar critico e sagaz sobre o que lhe parecia ser  mediocridade geral das elites que governavam o reino na altura. Ao precioso e delicioso retrato sócio-económico de Portugal, poucos anos antes de ser invadido pelas tropas de Napoleão, Link junta ainda o relato de algumas das peripécias recambolescas que sucederam à comitiva nos quase três anos e meio de viagens. De incríveis viagens pelas províncias do Reino de Portugal e do Algarve e que urge serem mais conhecidas entre nós.
Johann Centurius Graf Von Hoffmannsegg e Johann Heinrich Friedrich Link